As políticas afirmativas foram e continuam sendo estratégicas para a reparação de injustiças e superação da desigualdade social em vários países. No caso das universidades, elas têm um papel fundamental para formar e orientar os futuros profissionais de que, saindo de lá, eles lidarão com uma diversidade de pessoas e todas merecem respeito. “O racismo é a negação dos valores democráticos e dos princípios enraizados na dignidade, no respeito e, sobretudo, na valorização da vida humana”.
A reflexão é da professora Valdenice José Raimundo, Pró-reitora de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Raça, Gênero e Políticas Públicas e do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígena que, na última edição da Em Companhia, falou sobre o papel da educação e de políticas afirmativas na reparação de injustiças e superação da desigualdade social. Ganhadora dos prêmios Mulheres negras contam sua história, concedido pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), e Guerreiras Tejucupapo, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Valdenice também participa ativamente da Articulação Afro Brasil-SJ.
Leia, abaixo, a entrevista:
As políticas afirmativas foram e continuam sendo estratégicas para a reparação de injustiças e superação da desigualdade social em vários países. No contexto histórico brasileiro, por que as políticas afirmativas se fazem ainda mais necessárias?
Não podemos negar que o racismo é um componente determinante das relações sociais no Brasil. Logo, a aplicabilidade das políticas afirmativas é uma iniciativa que vai na contramão de uma relação que nega à população negra o acesso e a garantia de direitos. Para se afirmar como um país democrático, se faz necessário o enfrentamento ao racismo e as políticas afirmativas são um caminho para isto. Um caminho indicado pelo movimento negro, desde a década de 1930. Nos últimos anos as práticas racistas tomaram grandes proporções, aprofundando o racismo em suas diversas manifestações: racismo ambiental, racismo institucional. Sendo assim, em um momento de aprofundamento das desigualdades raciais, as políticas se fazem ainda mais necessárias.
Qual deve ser o papel das universidades para a concretização dessas políticas afirmativas?
As universidades, enquanto espaço de formação, têm papel importantíssimo de orientar, capacitar, qualificar pessoas competentes e produzir novos saberes. Portanto, essa formação precisa ser fundamentada em princípios e valores, a partir dos quais as pessoas possam estar aptas a conviverem de forma respeitosa com negros, indígenas e ciganos. É importante no processo de aprimorar novos aprendizados que os (as) estudantes tenham conhecimento dos conteúdos propostos pelas leis: 10639/03 e 11645/08, por pautarem questões emblemáticas para compreensão das desigualdades raciais. É imprescindível que os profissionais saiam da universidade, entendendo que irão lidar com uma diversidade de pessoas e que TODAS são dignas de respeito. O racismo é a negação dos valores democráticos e dos princípios enraizados na dignidade, no respeito e, sobretudo, na valorização da vida humana.
Nos últimos tempos, a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) concedeu mais de 500 bolsas para as populações negra e indígena. Conte-nos um pouco mais sobre essa ação e sua importância para essas populações.
Em 2019 e 2020, a Unicap lançou editais de Inclusão Racial. Foram iniciativas em diálogo com o Neabi, que, enquanto núcleo, está vinculado ao Instituto Humanitas (IHU). Foi uma experiência riquíssima, pois a entrada de negros e indígenas promoveu uma reparação que é histórica. Historicamente, negros e indígenas, por serem na sua maioria pobres, estiveram fora ou acessaram com muita dificuldade o ensino superior. Isso levou muitos a acreditarem que o ensino superior, ou seja, o acesso à universidade não era para eles. Garantir o acesso ao ensino superior quebra falácias como essas e contribui para formação de homens e mulheres que terão sensibilidade por terem compromisso com a ancestralidade, contribui, ainda, para novos temas de pesquisas etc. É difícil prospectar o que ocorre quando a justiça se instala.
Além dessas bolsas, a Unicap tem pensado em conceder bolsa permanência a esses alunos. Qual o objetivo dessa medida?
Como mencionei acima, negros e indígenas encontram-se entre os mais pobres da população brasileira. A chegada dos (as) bolsistas fez emergir temas e situações que precisaram de atenção. A chegada em uma quantidade expressiva jogou luz sobre questões que não poderiam ser ignoradas. Podemos destacar: a necessidade de uma Política de Enfrentamento ao Racismo Institucional – diante disto se formou um Grupo de Trabalho (GT) para propor a política; a necessidade de as escolas refletirem o acolhimento e organizarem ações que contribuíssem com o enfrentamento a práticas racistas – as escolas promoveram diversas ações; a promoção do Ano da Consciência Negra – 2021; a entrega de títulos de Doutor (a) Honoris Causa, dentre outros.
Por meio dessas bolsas, a Unicap aumentou a diversidade dentro das salas de aula. E quais os benefícios que essa diversidade tem trazido para a comunidade acadêmica como um todo?
Temos diversos benefícios, pois a convivência respeitosa com pessoas de outras crenças, raças, de diferentes orientações sexuais, possibilita um olhar mais ampliado do humano. Contudo, quando esse olhar é contaminado pelo racismo, vemos muito mais desafios que benefícios. É importante garantir o que já conquistamos e continuar lutando pelo que ainda precisamos avançar, mas é importante destacar que não basta simplesmente e apenas reconhecer a existência do racismo, é importante construir estratégias para seu enfrentamento e superação. É isto que qualifica uma instituição como antirracista. Este tem sido o esforço da Universidade Católica de Pernambuco.
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